segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

“(...) bastava que eu soubesse que o instante que se passa, passa definitivamente, e foi numa vertigem que me estirei queimado ao lado dela, me joguei inteiro numa só flecha, tinha veneno na ponta desta haste, e embalando nos braços a decisão de não mais adiar a vida, agarrei-lhe a mão num ímpeto ousado.”
(Raduan Nassar in: Lavoura Arcaica. Ed. Companhia das Letras, p. 103-104)
Relendo meus cadernos, revi algumas páginas de citações de quando li Lavoura Arcaica, do Raduan Nassar. Costumo sublinhar as partes que mais gosto nos livros, mas como esse era emprestado, escrevi no caderno mesmo. Hoje reli e achei essa citação que me deixou com uma certa inveja de André, personagem do livro que intensa e torpemente se entrega a Ana, sua amada, num "ímpeto ousado" de apenas segurar sua mão naquele momento. Claro que a narrativa perpassa por uma discussão psicológica e social intrigante sobre valores e crenças que não é bem o momento para enfatiza-la. Hoje, ao revisita-lo, me deti à questão do tempo que passa fugaz e em entregar-se por inteiro para não perder a oportunidade de viver o que se deseja. Me fez (assim mesmo, proclítico! ando meio anarquista) pensar na minha comodidade aparente de deixar para depois ou fugir do que me espera quando eu nem mesmo sei o que vai acontecer. Eu podia me passar pela mulher-segura-dos-meus-atos e vir com aquele velho papinho autoconfiante de que tudo o que eu fiz na vida valeu a pena, ainda que eu tivesse sofrido, já que isso serve de aprendizado, experiência e blá blá blá. Acontece que não sou assim. Eu fujo do sofrimento como diabo foge da cruz e qualquer indício de decepção já me freia e bloqueia. Portanto não! eu não sou a mulher-segura-dos-meus-atos, tenho mil dúvidas e muito dificilmente, me arrisco. Tá, todos vão dizer que deixo de viver muita coisa assim. Sim, meu bem, já ouvi isso milhares de vezes. Mas pensar como André soa meio utópico para mim. Motivos? As cicatrizes sempre estarão à mostra me relembrando o que acontece se eu der um passo em falso ou errado. Além delas, tem muita gente por aí que gosta de apontar nossos erros. Gente que não sabe o quanto é difícil tomar decisões, que não estava junto, segurando a barra, na hora ruim, gente que não sabe o valor que as palavras têm... Gente do coração feio. Talvez nem sejam assim propositalmente, mas são. Por fim, o jeito é tentar driblar consigo mesma essa cautela toda, deixando-se levar algumas vezes fazendo o exercício de me repetir sempre que também há gente realmente importante que estará lá com você na hora do aperto, do problema, da queda e do resultado negativo.

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